Pessoas movidas por intensa religiosidade sempre me fascinaram, em especial aqueles desconhecidos que ao invés de serem chamados profetas são apenas loucos. Fiquei imaginando como seria entrar na mente de um deles. Comecei aos poucos. Esse messias que se formava em minha cabeça havia sofrido um trauma; uma operação no cérebro contra sua vontade (lobotomia, implante de eletrodos, operação contra epilepsia... isso deixei para o leitor imaginar):
Natanael ainda se lembrava da operação. A luz forte contra os seus olhos, a agulha da anestesia atravessando a pele, a sonolência, agonia, e, sobretudo, incompreensão.
Não sabia por que estava lá, por que foi tirado da clínica de tratamento, quem eram aquelas pessoas e o que faziam. A última lembrança antes da operação foi de entrar na clínica. Colocaram-no em um quarto, estava cansado, queria dormir apesar de ser dia. Ao lado da cama, dois médicos o esperavam. Deveria ter achado estranho, mas não, provavelmente tinha sido drogado, só queria dormir. Os médicos o levaram até a cama, os sons das vozes deles estavam embaralhados, sem sentido. Ouvia as palavras mas não entendia o significado. Eles o acomodaram na cama, podia jurar que sentiu um deles colocando a mão sobre o seu ombro de maneira fraternal. Então, sentiu como se estivesse revivendo a sua infância, as noites em que a mãe, quando estava sóbria, lhe contava estórias.
Em seguida, flashes. Ainda estava deitado, mas sendo empurrado na maca através do corredor. As luzes eram fortes e tudo era branco. Vozes vinham de todos os lados, barulhos de máquinas, bips, mas nenhuma palavra era dirigida a ele.
Agulhas eram injetadas em suas veias, sentia vontade de vomitar, mas os músculos comprimiam sua garganta. Mais uma injeção e veio a escuridão. A anestesia paralisou todos os sentidos, mas por pouco tempo. Quando estava no meio da operação, abriu os olhos. Pelo reflexo no metal dos aparelhos, viu uma abertura no seu crânio, viu parte da massa encefálica.
‘O paciente acordou!’ Disse a enfermeira.
‘Aplique mais anestesia! Falei para manter controle dos...’
Tentou falar, mover-se, mas se sentia em um sonho. A anestesia voltou a fazer efeito, mas apenas parcialmente. Enquanto tinha os olhos fechados, ouvia o som metálico dos instrumentos da operação raspando contra o seu crânio, a respiração dos médicos, o próprio coração batendo devagar. Queria chorar, implorar que parassem, fazer os sons sumirem, mas estava preso em seu próprio corpo. Era como ser enterrado vivo. A única diferença era que não podia nem mesmo gritar.
Depois da agonia, veio a luz. Paz! Esta era a única palavra capaz de explicar o que sentia. Tudo parecia perfeito. Aquele foi o momento em que sua vida mudou por completo. Natanael morreu, Messias nasceu. Um novo ser no mesmo corpo.
Desenvolvo mais esta estória no meu livro Conexões. O fascínio pela possibilidade de entrar nas mentes mais estranhas só aumenta. Imagino que muitos sintam o mesmo, e por que não tentar? Escrever e imaginar são atividades que certamente só vão enriquecer a sua vida, em especial em um daqueles momentos entediantes como quando estamos esperando ônibus, metro, uma outra pessoal, ou simplesmente presos no engarrafamento ou quando a vida parece tão monótona. Outra tema que me fascina é a mente de um guerrilheiro. Como ele vê a floresta/deserto/cidade ao seu redor? O que o motiva a se sacrificar, a suportar a chuva, sol, dias sem comida e esquecer completamente os mais simples confortos? Qual vontade o move, como essa vontade se torna tão forte?
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