Alguns dizem psicografar. Recebem espíritos que guiam sua mente na construção de livros que eles ignoram o conteúdo. Alguns podem até mesmo escolher o espírito que neles irá encarnar (será que no futuro alguém irá produzir Harry Potter 23; Os Lusíadas 2 – A Missão; ou A Volta de Dom Casmurro?).
Eu só escrevo. Mas sei que é possível através de escrita entrar em umbrais mais interessantes do que a estética dos espíritos nos mostra. Não que os tenha alcançado, mas qualquer expressão artística pode nos libertar das banalidades do dia a dia e nos lançar no profundo esquecimento das sensações corriqueiras. Parar de pensar nos problemas, parar de relembrar o dia, esquecer os incômodos e deixar alguma parte mais remota preencher nossos pensamentos.
Assumir o irreal é algo comum aos atores. Eles, todos pensam, literalmente encarnam os seus personagens, são cruéis um dia e no outro interpretam um amante (dizem que Val Kilmer ao interpretar Jim Morrisson exigia ser chamado por “Jim” no estúdio). Mas o ator, apesar de viver sua criação, algo que o escritor não consegue, segue um plano. O escritor tem diante dele o desconhecido, e com isso o ilimitado, pois escrever permite viver outro corpo, outra mente, sentir lugares extintos, tocar objetos irreais, ter relações que nunca tivemos. Nos permite mergulhar na mente de um fanático, nos bocejos de um promotor corrupto ou destroçar um cadáver a procura de um fio de ouro que caiu na última refeição do defunto. A literatura, que é uma expressão tão intimista, onde o autor prescinde do contato direto com o público, nos permite explorar os nossos limites pessoais. Os limites da literatura são, na verdade, os limites do autor e do leitor, da nossa pobreza, da miséria do mundo.
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